terça-feira, 3 de novembro de 2015

Desengonçando as Ongs

Estima-se haver no Brasil, hoje, perto de 300.000 (trezentas mil) entidades sem fins lucrativos, distribuídas em associações civis, filantrópicas, fundações, organizações sociais (OS) e organizações sociais de interesse público (OSCIPs), a maioria delas vivendo à sombra do Estado e dependente de recursos públicos. Parte delas (a minoria, mas talvez as que mais tenham recebido vultosas verbas públicas) é suspeita de corrupção, desvio de recursos e improbidades várias; desconfia-se que algumas foram criadas ab origine com maus propósitos. 

A Lei n. 13.019/2014, embora com a boa intenção de moralizar a área, parece mais querer desengonçá-las. O propósito é ótimo: controlar com mais eficiência o uso do dinheiro público nas atividades das chamadas entidades sem fins lucrativos, além de inseri-las num contexto mais republicano de zelo pela probidade, isonomia, impessoalidade, economicidade e eficiência. Mas são muitas as dúvidas que ela vem trazendo para as pessoas envolvidas com o Terceiro Setor. Não é à toa que já teve sua vigência prorrogada por duas vezes, devendo entrar em vigor em janeiro de 2016, se não houver novo adiamento. 

A nova lei, denominada "Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil", disciplina as exigências para o repasse voluntário de recursos públicos às ONGs. O instrumento legal da transferência de recursos não poderá mais denominar-se "Convênio", termo reservado exclusivamente aos repasses entre órgãos estatais. A partir da vigência da nova lei, teremos como instrumentos formais de repasse o "Termo de Colaboração", quando a iniciativa de proposta de parceria for do Poder Público, e o "Termo de Fomento", quando a proposta de parceria partir da organização da sociedade civil. 

Nenhuma transferência de recursos poderá ser direcionada a uma entidade determinada, sem licitação prévia. O procedimento de seleção da entidade que receberá os recursos ou bens, é denominado "chamamento público". Dele poderão participar quaisquer entidades interessadas, independentemente de onde seja a sua sede. Destina-se a selecionar a melhor proposta, atendendo "aos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos" (art. 2º, inciso XII). 

O Poder Público deverá criar um Conselho de Políticas Públicas, destinado a formular e aprovar os projetos a serem atribuídos ao Terceiro Setor, uma Comissão de Seleção (para selecionar o melhor projeto concorrente) e uma "Comissão de Monitoramento e Avaliação da Parceria", para acompanhar e fiscalizar a execução do projeto pela entidade escolhida. Esta, por sua vez, deverá aparelhar-se para apresentar rigorosa prestação de contas e cumprir todas as determinações previstas na lei, que não são poucas. 

As exigências excessivas e a generalização descabida impostas pelo legislador provavelmente dificultarão de tal modo a vida de muitas das entidades do Terceiro Setor , especialmente as pequenas, que muitas delas não sobreviverão. A maior falha da Lei, parece-me, é pretender disciplinar numa mesma fôrma todas as entidades sem fins lucrativos. Apenas um exemplo: em cidades onde há apenas uma entidade filantrópica que presta determinado serviço, não há o menor sentido em abrir "chamamento público". A implementação dessa lei promete ainda muitas discussões. 

* Por José Benjamim de Lima 
jblima@femanet.com.br

Fonte: Assis City (aqui)

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