Projeto tira crianças da rua para inserí-las na sociedade
Era abril de 1995, quando Sérgio Otasil Vicentini, conseguiu enfim, realizar seu sonho: ter uma ONG que cuidasse de crianças e adolescentes. Juntamente com sua mulher, Ivone Olivatto Vicentini, e o apoio de amigos, nascia então o Gavia (Grupo de Amigos para Valorização da Infância e Adolescência) - registrado oficialmente em setembro de 1997.
"Meu marido tinha o sonho de fazer um trabalho voluntário. Abracei a causa junto com ele e hoje vivemos, praticamente para o Gavia", comenta Ivone.
A ONG tem como objetivo retirar crianças da rua e inserí-las na sociedade, através de atividades de valorização e também de ações profissionalizantes, facilitando assim o o acesso de crianças e adolescentes - vindos de áreas econômicas desfavorecidas -, para o mercado de trabalho e também para a sua atuação como cidadãos.
O projeto conta com dezenas de pessoas trabalhando voluntariamente. Ao todo são 40 voluntários, uma assistente social contratada, uma estagiária de serviço social, três prestadores de serviço como instrutores e dois profissionais da prefeitura que oferecem cursos vocacionais para os jovens um dia por semana.
De acordo com o primeiro tesoureiro do Gavia, Tiago Valentim Georgette - que já foi vice-presidente, conselheiro e também já ministrou oficinas de informática e de complementação educacional - o público alvo da ONG são crianças e adolescentes entre cinco e 18 anos, vindas de famílias com baixo poder aquisitivo. "Prioritariamente, o maior foco de atuação do Gavia são os bairros da região sul de Limeira que abrangem os bairros, Santa Eulália, Santina, Ernesto Kuhl (maior procedência, cerca de 90%) e Odécio Degan", afirma.
As atividades na ONG acontecem em dois momentos. Durante a semana o Gavia atende 30 adolescentes entre 15 e 18 anos no projeto "Crescer" que consiste em três cursos profissionalizantes: secretariado, elétrica residencial e serralheria. Aos sábados, é a vez de 60 crianças e adolescentes entre seis e 17 anos nos projetos "Crescimento" e "Formação".
Os atendidos fazem atividades de complementação pedagógica e de iniciação à informática, além de oficinas de culinária experimental, artesanato, judô, esportes, pintura em tela, pintura em tecido, artesanato de biscuit e bordado. A ONG também já ofereceu oficinas de teatro, marcenaria, desenho, música, entre outras. Todas as atividades acontecem no Gavia, exceto o curso de judô, que é oferecido através de uma parceria com o professor Bosco.
Aos sábados, as aulas e oficinas são das 8 às 12h. Durante a semana, as atividades acontecem de segunda à quinta-feira, das 13 às 16h.
VERBA
Segundo Georgette, o Gavia vem nos últimos anos conseguindo mais recursos de fontes oficiais, como Projeto CMDCA, CMAS e Pagamentos de Sentenças de Pequenas Causas. Outra fonte de recurso são as atividades da ONG como participação em eventos públicos (Festa Junina e Natal das Nações), atividades do Gavia, como porco no rolete, jantar, bingos, vendas de artesanatos, hortaliças, pastéis e roupas usadas.
Além disso, há pessoas físicas que são sócias e fazem doações espontâneas. "Na média 2010-2011, os recursos oficiais representaram 62%; as atividades da ONG representam 28% e as outras formas representam 10%.
Atualmente, os gastos do Gavia caminham conforme a disponibilidade de recursos, entretanto, as despesas giram em torno de R$9 mil/mensais", afirma o primeiro tesoureiro.
Georgette lembra que os interessados em ajudar a entidade podem colaborar voluntariamente nas atividades normais ou em eventos, fazendo doações financeiras como sócios-contribuintes; doando roupas, alimentos, jogos e livros e divulgando as atividades.
Depoimentos de quem faz parte do projeto
"Vim para o Gavia quando tinha 9 anos, junto com meus irmãos. Uma prima minha que estava no projeto que comentou conosco. De tudo o que aprendi aqui, o que mais gosto hoje é o bordado. Fiz várias amizades aqui também. Minha irmã mais velha, que começou comigo, hoje é voluntária na ONG. Também quero ser voluntária no Gavia como monitora. Para meu futuro penso em fazer o curso de massoterapia."
Joyce Natasha da Silva, 13 anos, moradora do Residencial Ernesto Kuhl, aluna da 7ª ano do ensino fundamental da escola "Dom Tarcísio Ariovaldo Amaral"
"Entrei no Gavia com oito anos, fui convidado para participar. Venho aqui quatro vezes na semana. Gosto do projeto. A aula que mais me interessa é a de técnicas comerciais. Antes de entrar no projeto estava vulnerável a coisas ruins, como drogas. Hoje, meus pensamentos mudaram. Penso em trabalhar no comércio."
Fabio Soares de Almeida, 15 anos, morador do Jardim Aeroporto, aluno do 1º ano do ensino médio da escola "Gustavo Piccinini"
"Estou há três meses no projeto. Fiquei sabendo do Gavia, lá no bairro onde moro, no Odécio Degan. As aulas de informática são as que mais gosto. Tenho um amigo de 10 anos lá do bairro que está interessado no projeto, mas também tem outros que não querem saber, não querem mudar de vida. Meus pais estão felizes comigo aqui no projeto. Minha mãe disse que eu sou uma pessoa melhor. Antes eu ficava muito tempo na rua, cheguei até a repetir de série na escola. Hoje me arrependo, penso que perdi tempo da minha vida. Para o futuro, quero cursar uma faculdade de biologia."
Tales Gomes de Amorim, 14 anos, morador do Jardim Odécio Degan, aluno do 7º ano do ensino fundamental da escola "Professora Margarida Paroli Soares"
"Cheguei no Gavia este ano. Antes de entrar aqui, pensava em ser traficante. Passava muito tempo para a rua, empinando pipa. Hoje meu pensamento mudou. Gostei muito da oficina de elétrica e pretendo seguir carreira de eletricista. Tem amigos que acham que estar no Gavia é perda de tempo, eu descordo".
Luiz Antônio do Nascimento, 14 anos, morador do Residencial Ernesto Kuhl, aluno do 8º ano do ensino fundamental da escola "Ataliba Pereira do Amaral"
"O que mais chama atenção é a mudança de pensamento"
"O que mais chama atenção é a mudança de pensamento e comportamento dos atendidos. Crianças e jovens chegam no Gavia de um jeito e saem de outro. É como diz o ditado, mudam da água para o vinho". A afirmação é da assistente social, Pamela Cristina Lucato, 25, que há quatro anos trabalha na ONG.
Ela, que afirma estar realizada com seu trabalho, relata que muitos atendidos que já passaram pelo Gavia, voltam para ser voluntário. "Temos, hoje em dia, pelo menos oito casos desse", comenta.
Apesar do pouco tempo, relativamente, como assistente da ONG, Pamela lembra de algumas histórias que são exemplos de superação. "Teve um caso de uma menina que chegou no Gavia com 12 anos. Ela era muito rebelde, pois tinha uma convivência familiar difícil. Só falava que ia matar todo mundo, brigava muito com um irmão menor, enfim tinha vários problemas. Hoje ela é professora voluntária da ONG", fala.
Outro caso que a assistente lembra é de uma menina de sete anos. "Essa criança tinha, até então, um histórico de vida muito ruim. Dentre tantas coisas ruins que lhe aconteceu, ela viu o pai morrer, e depois disso só falava que ia matar as pessoas. No Gavia ela não parava em sala nenhuma, só ficava no corredor e não deixava ninguém se aproximar. Hoje ela tem outra visão, sabe que precisa estudar e ser alguém na vida. Essa criança é uma das maiores realizações do trabalho da ONG, é exemplo", diz.
A história de um engenheiro de multinacional também é lembrada por Pamela. "Esse jovem entrou no Gavia com cinco anos, conseguiu emprego, fez faculdade de engenharia e hoje trabalha em uma grande multinacional na cidade", conta.
Conforme Pamela, o propósito do projeto, que é retirar crianças da ruas e inserí-las na socidade, dá certo. "Muitos chegam no Gavia falando que vão ser traficante ou mãe solteira. Mostramos que há outros caminhos a ser seguidos e depois de pouco tempo, jovens e crianças acabam mudando de postura", comenta.
A assistente contabiliza, desde 2008, 310 crianças e jovens atendidos no projeto. "O legal é que hoje em dia, ao invés do projeto ir atrás dessas crianças e jovens, elas que procuram a ONG. Isso é muito bom", afirma Pamela.
Uma das fundadoras e atual presidente do Gavia, Ivone Olivatto Vicentin, 61, afirma que a ONG é como um filho caçula. "O mesmo amor e dedicação que tenho pelos meus filhos, tenho pelo Gavia. Me sinto responsável pela instituição, por isso me dedico à ela. Sou aquela pessoa que resolve desde os problemas, até se precisar, faço a faxina. Sou muito realizada com esse trabalho e não pretendo parar nunca", fala.
Há 10 meses como professor voluntário no Gavia, Vladimir Luchesi, 65, ministra aulas de técnicas comercias, com foco no comércio. "Ensino os jovens sobre atendimento ao cliente, cheque, cartões de crédito, contas a pagar, enfim tudo que envolve técnicas comerciais. Além disso passo valores e mostro a realidade da vida", cita.
Fonte: Jornal de Limeira (aqui)