por Ricardo M. Galzerano
O padre Valdinei Antonio da Silva, 39 anos, é uma pessoa que, logo ao primeiro contato, se sente ser alguém diferenciado. Culto, vivido, articulado, sempre com um sorriso nos lábios, percebe-se claramente por que ele, rapidamente, caiu nas graças de sua comunidade onde hoje é ouvido, respeitado e seguido em suas pregações e conselhos por milhares de fiéis. Fiéis, aliás, que vêm dos quatro cantos da cidade para ouvir suas mensagens.
Nos últimos dois anos, em função de sua atuação pastoral, Valdinei vem acumulando homenagens: foi laureado com o Troféu Força da Raça, em Campinas, com a Comenda Cruz do Mérito pela Câmara Brasileira de Cultura, em São Paulo, e com as medalhas do Mérito Palmares, e Hebert de Souza, em Limeira.
Fui conhecê-lo na semana passada na sede de sua paróquia, a Igreja de Santa Isabel, no Parque Hipólito, zona leste de Limeira. Acompanhe um pouco de sua trajetória:
Gazeta – Fale-nos um pouco, padre, de sua vida pregressa.
Valdinei – Nasci no sul de Minas, em Lavras. Fui criado num pequeno povoado próximo, chamado Itumirim, com cerca de três mil habitantes.
Gazeta – Seus pais eram o quê? Lavradores?
Valdinei – Meu pai era soldador e minha mãe cuidava do lar. Tive uma infância tranquila, de moleque, de brincar na rua. Minha vida tem uma curiosidade: logo quando fiz seis anos, meu pai mudou de emprego e começamos a mudar de cidades. Mesmo em Minas, moramos em várias cidades. Quando fiz a primeira série, estávamos em Conselheiro Lafaiete. Dali fomos para Água Mansa, quando meu pai estava trabalhando na obra do aeroporto de Confins, que é o aeroporto internacional de Belo Horizonte. Ali estudei até a quarta série. Depois nos mudamos para o Espírito Santo, para a cidade de Anchieta. Lá estudei num colégio de freiras, onde cursei as quinta, sexta, sétima e quase o final da oitava séries.
Gazeta – Daí mudaram-se novamente?
Valdinei – Pois é. Por conta de sua profissão, fomos morar bem longe, no interior do Pará. Lá terminei a oitava série. Voltamos para o Espírito Santo, fui para o Rio de Janeiro onde concluí o ensino médio em Arraial do Cabo, a cidade mais bonita do mundo (risos). Pelo menos, o pessoal que mora lá fala isso. Muitos desses comerciais de TV, de carro, de creme dental, são feitos lá, pela beleza do mar, do local.
Gazeta – Mudar-se tanto assim na infância e na adolescência foi bom ou foi ruim para você?
Valdinei – Creio que foi bom. Fez com que eu me tornasse uma pessoa muito expansiva, que tem facilidade para fazer amizades com as pessoas, graças a Deus. Acho também que foi bacana para mim, pois vi, nessas minhas andanças, muitas maneiras diferentes de viver do povo brasileiro. Essas mudanças todas me fizeram ser uma pessoa diferente, no sentido de estabelecer relacionamentos com terceiros de maneira rápida. Sem querer fazer comparações, longe de mim essa pretensão, esse tipo de postura era algo comum aos santos, que era viver o dia de hoje como se fosse o primeiro e último. Pois você nunca sabe o que vai acontecer. Porque eu ficava seis meses morando numa cidade, depois ia para outra. Ou eu criava laços rapidamente com as pessoas e estabelecia uma vivência com elas ou iria me isolar.
Gazeta – Já na infância e na adolescência você sentia a vocação sacerdotal?
Valdinei – A minha vocação começou por volta dos 14, 15 anos. Um dia, eu frequentava uma igreja pequenina, Nossa Senhora dos Remédios, em Arraial do Cabo. Passei a conheci um grupo de jovens que trabalhavam na paróquia. Logo me envolvi com eles nesse trabalho. E começamos a fazer encontros para jovens. Montávamos encontros para 500 pessoas, corríamos atrás de estrutura, arrumávamos música, banda, palestrantes, gente para cozinhar, ganhávamos os alimentos. E a coisa foi se espalhando para as cidades vizinhas. Aquilo começou a me fascinar. Percebíamos as necessidades de muitos e fomos trabalhar com comunidades carentes. Fomos dar aula de reforço escolar para as crianças. E percebemos que as famílias, mesmo com o pouco que ganhavam, gastavam mal, compravam tudo de uma vez, não sabiam pesquisar, procurar melhores preços. Não tinham economia doméstica. Fomos então aprender pouco de economia, de planejamento, para ensinar a eles, fazíamos bazares para não deixar que faltasse roupa a eles. Ali, já então com 17 anos, senti com clareza que queria ser padre. Mas aí nos mudamos novamente.
Gazeta – De novo? Para onde?
Valdinei – Para uma cidade chamada Alegre, perto da terra de Roberto Carlos, Cachoeiro de Itapemirim, interior do Espírito Santo. Logo que cheguei lá, procurei o padre, comecei a participar da liturgia, dos trabalhos da igreja. E me envolvi com um movimento criado por Chiara Lubich, chamado Movimento dos Focolares, que me ajudou muito. O Movimento dos Focolares, em síntese, começou em 1949, na Itália devastada após o término da Segunda Guerra Mundial. Daquela experiência que lá nasceu, de viver por completo o Evangelho, a coisa foi crescendo, atraindo pessoas, se espalhando pelo mundo. Uma das características mais interessantes deste movimento é que ele trabalha muito o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. E aí nos mudamos de novo (risos). Fomos para Divinópolis.
Gazeta – Antes de ir para a área sacerdotal, você teve algum tipo de trabalho, de atividade profissional?
Valdinei – Tive. E como ! Aos 10 anos, eu vendia picolé. Aos 12 anos, já estava ajudando num escritório de contabilidade. Aos 14 anos, fiz corretagem de imóveis. Aos 16, estava numa loja vendendo eletrodomésticos. Depois, trabalhei em malharia, em indústria de algodão. Já em Divinópolis, fui ser bancário, no antigo BEMG, onde fiz concurso, passei e fiquei lá seis anos. Neste período, estudei Direito. Quando terminei a faculdade, o BEMG foi privatizado, virou Itaú. Ofereceram-me uma transferência, não aceitei. Não aceitando, sabia que ia ser demitido. E fui. Mas isso para mim foi bom: montei minha banca de advocacia, fui advogar. Fiz um pouco de tudo na advocacia. Mas me apareciam mais causas cíveis, casais querendo se separar. E eu fazia tudo para que eles não se separassem, conversava, orientava. E em muitos casos dava certo, acontecia a reconciliação. Foi assim, definitivamente, que ficou claro para mim que eu estava bem, que estava feliz, que eu teria uma boa carreira como advogado. Mas eu queria fazer outra coisa: reuni minha família e falei que iria para o seminário, que queria mesmo ser padre.
Fui então estudar filosofia com os jesuítas. Vinham teólogos renomados dar conferência na escola, era algo fascinante! Foi um ano extraordinário. Como já tinha curso superior, após um ano de filosofia pude estudar teologia.
Vim para Campinas onde fui acolhido na PUC. Sentindo falta de contato mais próximo com o povo, conversei com o padre Wilson De Nadai (logo depois ele virou reitor da PUC) e ele me disse uma coisa extraordinária: “não é falta de vocação o que você está sentindo, você apenas está no lugar errado. Troque de lugar”. Fui então falar com o padre Paulo Sérgio, que trabalhou aqui na Sagrada Família. E gostei muito quando ele falou aqui, de Limeira.
Gazeta – Qual foi então o próximo passo?
Valdinei – Procurei então dom Ercílio Turco, conversamos bastante e ele abriu as portas da Diocese de Limeira para mim. Isso foi no final de 2001. Ingressei aqui na Diocese em 2002.
Gazeta – Ingressou como?
Valdinei – Ingressei como seminarista no segundo ano de teologia. Nos últimos três anos, continuei estudando em Campinas mas sendo seminarista de Limeira. Fiz meu estágio pastoral em Iracemápolis por dois anos, padre Edson Tagliaferro me ajudou muito. Depois trabalhei com o padre Arlindo De Gaspari seis meses, fui diácono e me tornei padre. Isso em janeiro de 2005.
Gazeta – Já como padre, qual foi sua trajetória em Limeira?
Valdinei – Trabalhei um ano na Paróquia Sagrada Família. Depois fui para Artur Nogueira onde fiquei um ano. Foi quando me ofereceram voltar para cá. Vim direto para a Santa Isabel, onde já estou há quatro anos. No final de 2007, a Santa Isabel se tornou uma paróquia.
Gazeta – E como é atuar aqui?
Valdinei – A comunidade aqui é muita viva, muito atuante. Fui bem acolhido, passei a dialogar rapidamente com a sociedade. E o trabalho social aqui também é muito forte.
Gazeta – Como?
Valdinei – Temos profissionais que nos ajudam através do trabalho no dispensário. São psicólogas, voluntários que ajudam no reforço escolar dos jovens, uma série de atividades.
Gazeta – E qual é o maior problema da comunidade como um todo?
Valdinei – A droga, com certeza. Não só aqui como em toda parte. A droga está associada à baixa autoestima, a uma versão equivocada de vida. Porque quem entra na droga geralmente são aquelas que acham que a vida lhes negou alguma coisa. E a pessoa vai buscar refúgio dentro de um ideal totalmente ilusório, que é a droga, onde a pessoa não encontra nada. Só destruição da própria vida, cada vez mais.
Gazeta – Como mudar isso?
Valdinei – Não é fácil. É tentar fazer as pessoas entenderem que o que move o ser humano para frente é o desejo constante de buscar sempre novos objetivos, novos horizontes.
Buscamos, mesmo dentro das limitações de espaço que temos fazer interação da igreja com as escolas de nossa região. Fizemos parcerias importantes, como a com o Senac, por exemplo, e trouxemos para cá o PET, que é o Programa de Educação do Trabalho, para nossos adolescentes que chegam totalmente perdidos, indisciplinados e, em questão de duas semanas, eles já mudaram drasticamente para melhor. São aulas ministradas para que tenham uma base para uma vida melhor, para ajudar a própria comunidade a progredir. Temos aulas de capoeira, dança, oficinas de artesanato, há salas de inclusão digital, professores que ensinam gratuitamente noções básicas de inglês e espanhol.
Gazeta – Parece que o seu trabalho aqui já ultrapassou fronteiras...
Valdinei – Pois é. Já fui convidado para ir até a Assembleia Legislativa, já estiveram aqui deputados estaduais e federais para conhecer o trabalho do nosso dispensário. O dispensário trabalha no município com as famílias que recebem o Bolsa-Família, com assistentes sociais contratadas dentro de um programa para preparar, para capacitar essas famílias para gerar rendas próprias e não necessitarem mais da ajuda governamental. Temos vários outros profissionais que nos ajudam voluntariamente.
Gazeta – Você vê que está havendo uma melhoria da sociedade brasileira de uma forma geral? Ou os ganhos econômicos dos últimos anos não vêm sendo acompanhados de ganhos morais, éticos, espirituais por parte do cidadão brasileiro?
Valdinei – Percebemos essa falta de sintonia entre o ter e o ser na sociedade de hoje. As pessoas estão tendo dificuldade de relacionamento, de cuidar da parte espiritual. Porque um bem-estar financeiro pode ajudar, mas não é suficiente para o ser humano crescer, evoluir, ser mais feliz. As pessoas trabalham mais, em dois períodos, estudam à noite e muitas vezes se esquecem, deixam de lado a parte religiosa, a parte espiritual. Isso também é motivo de tanta infelicidade e discórdia entre as pessoas. O segredo para uma vida feliz e harmoniosa é o equilíbrio.
Fonte: Gazeta de Limeira (
aqui)
MEUS COMENTÁRIOS
Padre Valdinei foi o primeiro assessor da Pastoral da Juventude no tempo em que fiz parte da coordenação da PJ na Diocese de Limeira.
Homem de garra e de bom coração. Líder, mas com grande coração quando necessário.
Justa homengame essa reportagem que a Gazete fez sobre ele.