Por D. Demétrio Valentini, bispo de Jales
Estamos próximos a mais uma Semana da Pátria. Mesmo com todo o ritual de praxe garantido, paira no ar um sentimento de resignação e de apatia. Tempos atrás havia expectativa e efervescência em torno de um projeto amplo de Brasil a ser pensado e urgido pelos cidadãos que o idealizavam.
Passou-se a cunhar uma expressão que serviu de mote para amplos debates, em todo o país, que tomaram forma sobretudo de “semanas sociais”. Chegou-se a cunhar uma expressão dinâmica e motivadora: “O Brasil que a gente quer”.
Agora, parece que a bandeira foi arriada. Não pensamos mais no Brasil que a gente quer. Parecemos resignados com o Brasil que aí está!
Verdade que o governo presidido pelo Presidente Lula trouxe inegáveis avanços sociais, possivelmente irreversíveis, através de pequenos mecanismos de distribuição de renda.
Simultaneamente à implementação das políticas sociais por parte do governo, houve uma acomodação da cidadania, um refluxo à passividade, somado com uma falta de motivação e uma dificuldade de articulação dos movimentos sociais que ainda conseguem mobilizar seus membros.
Convenhamos que assim não se avança. Pois caberá sempre à cidadania reconvocar continuamente o governo e todo o aparelho estatal, urgindo-o a cumprir suas finalidades constitucionais.
Este déficit de cidadania pode ser constatado em duas circunstâncias, como exemplo de outras.
A primeira salta aos olhos: a pouca participação popular nos diversos “conselhos paritários” a nível de município. O único que desperta um pouco de interesse é o “conselho da criança e do adolescente”, porque o grupo executor das políticas públicas afetas a este conselho, o “conselho tutelar” é eleito pelo povo e seus membros são remunerados.
Os outros “conselhos paritários”, quase não despertam interesse, são pouco conhecidos, não se leva a debate as questões que lhes seriam pertinentes, e não contam com o interesse da cidadania.
Seriam ótimos instrumentos de participação da cidadania, e de ação articulada com as instâncias governamentais. Mas na maioria dos municípios não cumprem sua função, por falta de interesse dos cidadãos, por sua pouca consciência política e por seu fraco compromisso social.
Outro caso que revela ausência de cidadania é a situação das “rádios comunitárias”. A idéia seria boa. Colocar ao alcance da cidadania local um meio de comunicação, que fosse instrumento para divulgar assuntos de interesse cotidiano, e ser expressão da cultura local.
Acontece que a grande maioria dessas “rádios comunitárias” se igualaram às rádios piratas. Acabaram se tornando propriedade de alguém que explora a concessão para interesse próprio, ou caíram na mão de alguma igreja que usa a rádio com finalidade exclusiva de proselitismo. E´ comum escutar alguém dizendo: “eu tenho uma rádio comunitária”. Ora, se alguém é dono de uma rádio, ela deixa de ser comunitária! Pior que tudo, essas ditas “rádios comunitárias” acabam se tornando instrumento de deformação da cidadania. Estimulam a sonegação de impostos, incentivam nas empresas o “caixa dois” para pagarem a propaganda que eles chamam de “apoio cultural” para disfarçar, e acabam fazendo concorrência desleal com as rádios tradicionais, que precisam arcar com os todos os encargos sociais e outros impostos que o governo se incumbe de cobrar.
Sem o exercício atento da cidadania até os instrumentos da democracia são pervertidos. Usando um símbolo do evangelho, a cidadania é como o sal. Se ele se corrompe, quem o poderá salgar, pergunta Cristo. Se não praticamos a cidadania, tudo pode ser corrompido, até as eleições que temos pela frente.
Publicado em 31/08/2009 - 10:14 no sita do Regional Sul 1 da CNBB.
Fonte da imagem: Cartilha da OMC do IDEC.
Fonte da imagem: Cartilha da OMC do IDEC.
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