O Jornal Brasil Atual mostra o enredo de um golpe contra crianças pobres de escolas públicas da cidade do interior paulista
última modificação 21/12/2010 11:42
Limeira/SP - As reuniões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a terceirização da merenda escolar em Limeira ocorrem em meio à confusão: vereadores discutem entre si e as pessoas que acompanham as discussões são expulsas do plenário.
A comissão tem maioria governista: a presidência é do vereador Sílvio Brito (PDT), e a relatoria está com Nilce Segalla e Elza Tank (ambas do PTB), da base do prefeito pedetista Sílvio Félix. Completam a comissão os vereadores de oposição Mario Botion (PR) e Ronei Martins (PT).
A terceirização da merenda em Limeira foi assumida em 3 de março de 2006 pela empresa SP Alimentação, num contrato anual de R$ 15,4 milhões. Em 2007, o contrato foi aditado por mais um ano, ao valor de R$ 16,2 milhões.
Na época, a Comissão de Fiscalização dos Atos do Executivo da Câmara Municipal, da qual faziam parte os vereadores José Carlos Pinto, Carlos Ferraresi e César Cortez, recebeu denúncias sobre a qualidade, a quantidade e a forma de distribuição das merendas.
De posse das denúncias, a Comissão, via vereador José Carlos Pinto, pediu a instauração de uma CPI. Porém, para que ela prosperasse, seria preciso a assinatura da maioria da Comissão de Fiscalização. De pronto, Carlos Ferraresi manifestou-se contrariamente. Depois, seguiu-o César Cortez.
Paralelamente à negativa, elaborou-se um relatório das investigações e foi apresentada denúncia formal ao Ministério Publico, por meio do promotor Cleber Masson, ocasião em que foi instaurado Inquérito Civil para averiguar as irregularidades do contrato firmado.
Outra questão, constante das denúncias, é o envolvimento do advogado Thúlio Caminhoto Nassa, que figura como advogado contratado pela prefeitura para defendê-la em um mandato de segurança movido pela empresa Sistal Alimentação, com intuito de anular a licitação vencida pela SP Alimentação.
Ao mesmo tempo, o advogado figura como prestador de serviço da SP Alimentação na defesa da empresa numa ação monitória (que discute valores), em outro município. Esse mesmo advogado, aliás, é funcionário da própria prefeitura de Limeira, nomeado como Diretor Administrativo II, lotado na Secretaria de Assuntos Jurídicos, em 9 de fevereiro de 2006.
No início de outubro, uma investigação do Ministério Público Estadual descobriu o envolvimento do administrador de empresas Genivaldo Marques dos Santos, o Tiquinho, nas irregularidades que envolvia a SP Alimentação e ofereceu a ele o benefício da delação premiada. Genivaldo então revelou o golpe, que envolve um apresentador de televisão, um jornal impresso, vereadores, ex-vereadores e até o prefeito Silvio Félix, que teria recebido cerca de R$ 6 milhões.
A denúncia é grave e o fato ganha requintes de crueldade quando se fala de merenda escolar. Em Limeira, muitas mães da periferia mandam as crianças comer na escola porque muitas vezes não têm comida em casa. E há indícios de que as crianças têm déficit de aprendizagem por carência alimentar.
Sobre a concorrência pública para a contratação de empresa para o fornecimento de merenda escolar, a Prefeitura de Limeira emitiu nota à imprensa informando que “seguiu a lei de licitações”. Defende-se, apresentando como álibi o Tribunal de Contas do Estado que “aprovou o edital de concorrência. E informa, também, que a SP Alimentação não presta mais serviços à cidade. A merenda escolar está a cargo de uma nova empresa, a Le Baron
Apuração
A CPI na Câmara só foi possível com a adesão da base aliada do prefeito porque são necessárias cinco assinaturas – a base oposicionista tem três vereadores, contra 11 da base aliada. Com isso, obteve-se a quebra de sigilo da empresa Irmãos Franco, que teria recebido R$ 1,5 milhão para não atrapalhar na licitação.
O assunto mobiliza a população. Conta-se que há perseguição aos vereadores da oposição, com ameaça à integridade física deles, por meio de e-mails.
A CPI recebeu prazo de 90 dias para finalizar os trabalhos. O tempo é pequeno para avaliar, captar as oitivas e analisar os documentos – a comissão terá de contratar um perito contábil para emitir um parecer sobre essa documentação. Portanto, há a possibilidade de haver prorrogação. No final, será emitido um relatório e encaminhado ao Ministério Público, que poderá pedir uma comissão processante ou a cassação de mandato.
A SP Alimentação atua em 60 municípios e o modo de operar da empresa é o mesmo em todos.
Suspeitas e denúncias
O ex-vereador (PT) e dirigente sindical metalúrgico, José Carlos Pinto, foi o primeiro, em novembro de 2007, a denunciar possíveis irregularidades com a merenda escolar em Limeira. Na época, ele tentou instalar uma Comissão de Inquérito e contar ao Ministério Público o que achava estranho.
“A terceirização seria para conter despesas, mas não foi o que se verificou em Limeira”, lembra. Entre as questões pendentes do passado, agora aparecem respostas para o envolvimento do vereador César Cortez no esquema de propinas para favorecer a SP Alimentação.
Questionado sobre outros serviços terceirizados na época, como o fornecimento de remédios pela Unifarma, José Carlos, que quer colaborar com a CPI, diz que “é preciso averiguar tudo”. Mas acha a possibilidade improvável, se depender da Câmara Municipal. “Temos de contar com o Ministério Público (MP) e com a contribuição dos promotores.”
O resultado das investigações do MP foi o afastamento do vereador César Cortez, substituído pela suplente Iraciara Basseto (PV). Na esfera cível, o promotor Cleber Masson pediu a condenação de Cortez, Ferraresi e de Eloízio Gomes Afonso Durães, dono da SP Alimentação, por improbidade administrativa, e a devolução do dinheiro aos cofres públicos.
Masson também tornou indisponíveis os bens de Cortez e dos demais réus. Em entrevista ao Jornal de Limeira, Cortez ameaçou: “Há coisa maior a se apurar; caso seja questionado, vou dizer tudo que sei”.
O chefão e o plano
O empresário Eloízo Gomes Afonso Durães (foto abaixo), um dos donos da SP Alimentação, é acusado de ser o chefe da máfia das merendas. A empresa dele tem contratos em cidades de nove estados do país – entre as quais quatro capitais: São Paulo, Recife, São Luís e Maceió. O esquema teria movimentado R$ 280 milhões para fraudar licitações, corromper políticos e funcionários públicos, emitir notas frias e praticar cartel.
Em setembro, Eloízo foi preso em São Paulo – e solto dias depois – acusado de mandar pagar propina de R$ 175 mil, em 2007 e 2008, a dois vereadores de Limeira – Antônio César Cortez (PV), o Quebra Ossos, candidato derrotado a deputado federal nas últimas eleições, e o ex-vereador Carlos Gomes Ferraresi, então presidente da Comissão de Orçamento e Finanças da Câmara.
Eloízo queria barrar uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara que investigaria o contrato de R$ 56,3 milhões, firmado entre a Prefeitura e a SP Alimentação.
Para impedir a instalação da CEI era preciso o voto contra do presidente da Comissão, Carlos Gomes Ferraresi. Eloízo, então, teria repassado, por meio de um funcionário municipal, R$ 35 mil para que Ferraresi apresentasse um relatório solicitando o arquivamento do procedimento administrativo – que abortaria a CEI.
Em 22 de novembro de 2007, o funcionário recebera outra missão de Eloízo: subornar o vereador Cortez. Porém, Cortez, sabendo da importância de seu voto, exigiu R$ 300 mil, mas, conversa vai, conversa vem, acabou aceitando R$ 140 mil, em quatro prestações – três de R$ 40 mil e outra de R$ 20 mil, pagas entre dezembro de 2007 e março de 2008. Com a grana, ele comprou um apê em Campinas.
Cortez só não foi preso juntamente com Eloízo porque a lei eleitoral não permite que um candidato seja preso 15 dias antes das eleições.
Fonte: Brasil Atual (aqui)